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O Velho Romeu (conto) - Devalmir Oliveira

Post convidado
Por Devalmir Oliveira Vieira Devas


Bem, vamos começar as apresentações: meu nome é Romeu, tenho exatamente 70 anos e estou obviamente aposentado. O que me mantém ainda com o ânimo para a vida é a minha imensa paixão pelas artes. Dentre elas, a minha preferida é a pintura, apesar de às vezes expor meus pensamentos por meio da literatura. Neste exato momento estou num Universo alternativo na mente de um cara aí, que não é necessário dizer quem é. Ademais, eu caminhei por diversos terrenos e estradas e agora creio ter pelo menos 0,00001% de experiência e de sabedoria quanto às coisas da vida. 
     Quando eu era criança, tinha uma curiosidade bem aguçada a respeito de tudo: ficava me perguntando como é possível que um simples relógio funcione, quem inventou os relógios, por que os pássaros voavam etc etc. Meus pais não eram o que se pode chamar de "pessoas felizes", viviam brigando mas me amavam muito. Minha mãe era a intelectual da casa, psicóloga, e meu pai era comerciante. Nunca entendi ao certo por que eles brigavam tanto, mas de uma coisa eu tinha certeza: quando eu fosse grande não ia haver entre mim e minha esposa desavenças desse tipo, isto se eu tivesse esposa um dia.
Pra ser sincero, apesar de ser tão curioso a respeito das coisas, meu desempenho na escola não era coisa que se podia chamar "promissora". Eu não me interessava pelas coisas que a escola me ensinava, eu queria saber quem eu era, por que estava aqui nessa Terra e pra onde eu ia depois que morresse. A escola não me ensinava a solucionar esses enigmas, pelo contrário... Me ensinava justamente a ser robotizado por coisas que eu não gostava. Sei que tudo aquilo era necessário, para poder trabalhar e comprar o que era preciso para a minha sobrevivência neste mundo, mas, cá entre nós: o que eu aprendi na escola? Simples: aprendi a odiar esse sistema de "educação" que não faz mais do que ensinar as pessoas a mergulharem na esterilidade da imaginação.
        Quanto às minhas amizades na escola, eu era um garoto muito estranho, calado. Tive no máximo uns 10 amigos de verdade... Eles não se interessavam muito em saber quem eles eram de verdade. Mas eram ótimas pessoas e tomaram rumos diferentes na vida sempre mantendo a honestidade. É claro que eu vivi a minha adolescência e portanto, como tantos outros jovens, eu vivi a era negra. Me apaixonei, tive a primeira "namorada", mas isso não passou de uma ilusão de mais ou menos um mês. Ela era uma amiga preciosa e mesmo assim acabei destruindo a amizade ao me apaixonar por ela. Depois desse tempo fiquei zangado e comecei a aprontar, fiz coisas terríveis, cometi o pecado da luxúria com uma amiga e destruí a amizade de um outro. Estava "revoltado" sem saber que estava entrando em um abismo de onde era muito difícil sair. Apesar de ter entrado nesse abismo, eu era muito sensível, sentia forte as consequências na própria mente. Veio então a depressão: eu ficava horas e horas deitado sem dormir sempre pensando nas consequências daqueles atos puramente egoístas e desprezíveis tentando achar um jeito de me livrar daqueles pensamentos, mas não encontrava a luz. Não sabia eu que essa luz estava dentro de mim e, portanto, permaneci nas trevas espessas da insensatez mais uma vez. Essa foi a derradeira. Minha tristeza e solidão foi tão grande que eu resolvi mudar e procurar as respostas nos livros. Esse foi o princípio da subida e da saída do profundo abismo. Os livros que eu mais gostava de ler eram os que tratavam do ser humano, sua origem e finalidade; filosofia. Apesar de eu ter lido a bíblia várias vezes, não entendia muito o que estava escrito lá; portanto o enigma do pecado original e da redenção permaneceu até certo período da vida desconhecido para mim. 
        Os livros de filosofia me deixaram mais esperto acerca das coisas do mundo. Mas mesmo assim, a verdade que todos aqueles filósofos defendiam em suas teorias não era a minha. Eles encontraram suas verdades, com certeza. Porém os seus planos de existência eram diferentes do meu e ficou provado que todas aquelas filosofias serviriam para me ajudar a reformar meu pensamento; eu já tinha os meios, mas o X da questão era eu mesmo encontrar a minha verdade. Apesar de ter um desempenho não muito bom na escola, eu terminei o ensino fundamental e o médio com notas razoáveis e nunca repeti de ano.
       Resolvi então, ao terminar os estudos, trabalhar como auxiliar de biblioteca por um tempo para poder pagar a faculdade. O curso que eu escolhi foi o de Filosofia. Naquela época meu desejo era que as pessoas ao meu redor também questionassem o porquê de estarem aqui nesse mundo e encontrarem por elas mesmas a resposta ou as respostas. O curso de Filosofia tinha como meta a chegada à licenciatura para poder dar aula. Por três anos fiquei nessa faculdade e depois me tornei professor de Filosofia.
         Eu estava disposto a fazer com que a Filosofia passasse de disciplina chata e entediante, para uma disciplina amada e desejada pelos jovens alunos. Mas, como fazer isto? Decidi então não mandar meus alunos escreverem textos ou redações que nem eles mesmos viam sentido em fazer. Meu modo de ensinar era esse: Fazer perguntas a todos eles e conversar com eles sobre as coisas da vida sempre de modo que eles pudessem questionar e agir da maneira certa enquanto vivessem. Para mim, o papel da Filosofia não era apenas ficar no campo da teoria, explicar Kant ou Hegel, e sim pensar até que a dúvida fosse solucionada a respeito de quem o homem é e o que ele deve fazer nesta terra para ser feliz de verdade. Eu desprezava aquele tipo de filósofo criado entre quatro paredes. Para mim, o verdadeiro filósofo devia ser por fora o que ele já era por dentro;viver uma vida simples e natural de corpo e de alma.
        Os alunos se interessaram pelo meu modo de ensinar e isso me deixou muito feliz e cada vez mais entusiasmado a ponto de lançar cada vez mais flechas ao longo do caminho daqueles alunos para que eles pudessem se orientar. De fato, poucos tiveram o mesmo desejo que eu. No entanto esses poucos me revelaram o verdadeiro sentido da minha vida: ser feliz fazendo os outros felizes ou pelo menos contribuindo um pouco para isso. Por dez anos lecionei Filosofia na escola pública, mais dez anos na escola particular e mais 10 anos na universidade. Isso contribuiu para que eu tivesse meios de me sustentar e até mesmo guardar um dinheiro. O dinheiro resolvi aumentar mais um pouco depois que aprendi a desenhar e a pintar. Eu estava financeiramente bem.
         No entanto, apesar de ter encontrado esse "sentido" senti que faltavam ainda muitas coisas. Entre elas eu devia me despojar de tudo que havia conseguido, enfim, do meu conforto. Aos 50 anos decidi doar minha renda para os hospitais e tentar dar pelo menos um pouco de esperança a tantos doentes. Aparentemente isso me deixou feliz, sabendo que o dinheiro que eu havia conseguido com tanto esforço estava sendo doado para fins benéficos. Era ainda ilusão: a velhice acentuou minha solidão e as poucas pessoas amigas que eu tinha já haviam partido, ou se mudado para outros lugares. Eu não tive esposa nem filhos, mas para minha felicidade, alguns ex-alunos meus me visitavam as vezes. Para passar os últimos dias sem ser entediado, resolvi fazer desenhos das pessoas que eu gostava e dar de presente a elas, e outros eu deixava guardados em casa. Os desenhos eram realistas, modesta parte. Outra coisa que tive a vontade de aperfeiçoar foi a pintura. Os quadros deixam a minha casa com um tom colorido e diferente, o que me causa alegria. Meus dias agora se resumem a três coisas: artes, caminhadas e conversas com os outros idosos das praças. Afinal de contas, coetâneo gosta de coetâneo. A vida da gente, sendo vista por nós mesmos a uma distância deveras grande nos apresenta uma comédia, porém vista de perto nos seus sofrimentos e devaneios tem o caráter de uma tragédia. Essa nossa ideia de amor não passa de um egoísmo camuflado, quando jovem. Viver é ser feliz de verdade.

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