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Por um ateísmo de dentro pra fora

Por Ranyere Cerqueira 

É muito comum que nós, ateus e ateias, sejamos vistos com os olhos abutres do desprezo, da satanização e da marginalização. Na verdade, a sociedade nos quer assim, na margem. É óbvio que isso não passa de uma análise equivocada, ou muitas vezes, apressada e ignorante da condição do outro como descrente. Mas parece que, de fato, a sociedade fabrica outros para serem odiados. Explico: O outro é sempre o alienado, o ignorante, o que segue a crença errada, o que tem o deus engraçado ou errado. Com o ateu ou a ateia não é diferente. Mas conosco, o requinte de crueldade soa pior. Somos os imorais, insensíveis, hedonistas, incapazes de demonstrar compaixão, amor, empatia e dignos de pena, desprezo, indiferença e, quase sempre, somos patologizados como loucos. Ora, como pode alguém não acreditar naquilo que é essencial a existência e sentido da vida da maioria das pessoas que nos circundam? Só pode estar em condição de insanidade mental.

O preço a se pagar pelo empoderamento e honestidade intelectual consigo mesmo por aceitar-se e demonstrar-se como ateísta é sempre muito caro. Isso pode nos custar o emprego, os amigos de infância, o namorado ou a namorada e o convívio social de forma estrutural.

Quem nunca precisou mentir sua condição de descrente em uma reunião de família? Ou teve medo de não pegar um folhetinho evangélico quando um fundamentalista vem a sua direção e pode fazer um escândalo ao você dizer que não aceita a suposta palavra de amor dele? Quem nunca precisou fingir rezar ou ter que baixar a cabeça em sinal de respeito quando em reuniões que, não tendo esse objetivo, somos surpreendidos com a necessidade de uma reza surpresa?

A verdade é que essa sociedade não nos representa. Somos obrigados a suportar canais de TV evangelizadores, obrigados a presenciar o ferimento do estado laico com a própria constituição em seu preambulo dizer que ela está sob a proteção de deus, repartições públicas com símbolos cristão, políticos fundamentalistas e proselitistas legislando sobre nossas escolas, sobre a ciência e querendo nos impor um modelo de família hipócrita e heteronormativa que deslegitima o amor, o amor entre pessoas do mesmo sexo. Monopolizam a justiça, a moral, o amor.

Existe forma mais desumanizadora do que nos tirar a capacidade de existir, de amar?

É prática cotidiana que nós sejamos relegados a solidão afetiva, moral, existencial e subjetiva.

Dessa forma, portanto, é preciso um ateísmo de dentro para fora. Aquele ateísmo emponderado, combativo e fora do armário que aponte o dedo em riste frente a essa sociedade preconceituosa e diga que estamos aqui, que existimos e queremos respeito. Diferente da visão externa e semiótica do ateísmo de fora para dentro de nós, aquele que nos inferioriza, nos subalterniza e nos coloca como cidadãos de segunda classe moral.